- Bianca Espindola
- 30 de abril de 2025
Bianca Fraga Espindola[1]
“Decisões sustentadas por motivos sem fundamento podem ser mais nocivas do que decisões erradas bem pensadas.”[2]
A Resolução CMN n° 5.202/2025, publicada em 27 de março de 2025, alterou a Resolução do CMN n° 4.994/22, introduzindo o princípio da motivação como um dos critérios para a avaliação da aplicação dos recursos dos planos de benefícios.
Em razão da sua importância, a motivação tornou-se um princípio jurídico utilizado para orientar o processo decisório nas esferas administrativa, judicial e empresarial.
Realmente, a motivação (do latim motivus, -a, -um, relativo ao movimento)[3] reflete a causa ou razão que “move” o indivíduo a tomar uma decisão ou a praticar uma determinada ação. Isto quer significar que a motivação, de início, se reveste de certa subjetividade, uma vez que as razões que levam o indivíduo a praticar um ato ou a tomar uma decisão possuem características particulares e que têm como base diversos fatores: nível de conhecimento, educação, experiências, cultura, valores, crenças entre outros elementos.
No entanto, para assegurar maior objetividade e transparência à motivação no âmbito do poder público, a Constituição Federal e a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB) determinam aos agentes públicos o dever de fundamentar adequadamente as decisões e atos administrativos [4].
No contexto jurídico da administração pública, a motivação quer significar as razões que justificam as ações ou decisões do agente público, a fim de dar transparência, legalidade e racionalidade à ação ou decisão tomada por um representante do Estado.
Também no âmbito da administração pública, a motivação deve necessariamente encontrar amparo na lei, restringindo a autonomia do agente público e impondo limites à atuação do Estado. No direito processual civil, a motivação obriga o juiz a fundamentar suas decisões, sob pena de nulidade[5]; no direito administrativo obriga o agente público a motivar seus atos e decisões com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos[6], também, sob pena de nulidade.
De outro lado, no contexto societário e empresarial, embora a autonomia da vontade da pessoa privada seja, via de regra, irrestrita, ela encontra limite no princípio da motivação que impõe ao gestor/administrador o dever de fundamentar as suas decisões, a fim de assegurar a regularidade e evidenciar os elementos que demonstrem a boa-fé e a diligência na condução do processo decisório, em busca do melhor interesse da companhia[7].
É possível também identificar o princípio da motivação na regra negocial americana, business judgment rule, adotada pela Comissão de Valores Mobiliários, a analisar se determinada decisão foi tomada de forma refletida, informada e desinteressada, conforme o voto proferido pela Relatora Flavia Perlingeiro, no Processo Administrativo Sancionador transcrito:
Em resumo, a business judgment rule é uma construção do direito norte-americano, que corresponde a um padrão de revisão das decisões dos administradores. Tal padrão de revisão preconiza que, desde que observadas determinadas condições – isto é, se demonstrado que a decisão se deu de maneira informada, refletida e desinteressada – o julgador deve se ater exclusivamente à análise do procedimento decisório, sem adentrar o mérito ou os resultados da decisão. Assim, mesmo que, posteriormente, a decisão não se revele a melhor para a companhia, o administrador que agiu com o cuidado que lhe é exigido não deveria ser punido.
Não interessa, para os fins desta avaliação, se o resultado da conduta do indivíduo se mostrou incorreto ou inadequado, desde que ele tenha sido alcançado a partir do emprego de um juízo racional fruto de um processo decisório adequado. Nesse sentido, o dever de diligência é uma típica obrigação de meio, e não de resultado (grifei)
O princípio da motivação no contexto do âmbito público e privado encontra similaridade no seu objetivo: fortalecer a transparência e a legitimidade das decisões e evitar eventuais abusos de poder. No âmbito privado, a Lei das Sociedades Anônimas (LSA) prevê a responsabilização do acionista controlador pelos danos causados por atos que extrapolem os limites do que lhe é permitido em razão do mandato. No âmbito público, a Lei 13.869/2019 tipifica como crime abuso de autoridade, cometido por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
Pois bem. No âmbito da previdência complementar, o princípio da motivação está diretamente relacionado ao conceito de ato regular de gestão previsto na Resolução CGPC n° 13/2004[8], com conteúdo dado pela Resolução Previc n° 23/2023.
Para avaliar se o ato praticado pelo administrador das entidades fechadas de previdência complementar (membros do Conselho Deliberativo e da Diretoria Executiva) se reveste de regularidade, suas decisões são analisadas sob a ótica do princípio da motivação que encontra-se implícito na Resolução Previc n°23/2023:
Art. 230. A conduta caracterizada como ato regular de gestão não configura infração à legislação no âmbito do regime de previdência complementar, operado pelas entidades fechadas de previdência complementar.
(…)
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- 2º Para avaliação do ato regular de gestão, devem ser consideradas as informações e dados disponíveis à época em que a decisão foi tomada ou o ato praticado, competindo à entidade fechada de previdência complementar manter registro dos documentos que fundamentaram a decisão ou o ato.
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Como se vê, a Resolução CMN n° 5.202 de 2025, ao introduzir o princípio da motivação como conteúdo de avaliação para aplicação dos recursos dos planos operados pelas EFPC, não trouxe inovação, mas reforçou a importância de fundamentar as escolhas dos investimentos por meio de registros de pareceres, laudos, relatórios, entre outros documentos que dão suporte à decisão. Essa exigência traz maior clareza sobre como o administrador/gestor irá chegar à escolha de determinado investimento, promovendo transparência aos participantes e patrocinadores, além de prevenir decisão arbitrária do gestor e evitar abuso do poder que lhe foi conferido pelo mandato. Sem esquecer que a lei deve ser observada, assim como estatutos, políticas de investimentos, regulamentos e regimentos internos.
Por fim, é importante que o órgão de fiscalização das EFPC, em sua atuação, considere e respeite a diferença entre a aplicação do princípio da motivação ao agente público – cuja atuação é estritamente vinculada à lei – e ao administrador/gestor da entidade cuja liberdade de gestão é assegurada pela autonomia da vontade da pessoa privada, dentro dos limites legais, estatutários e regulamentares.
[1] Advogada especializada em previdência complementar, sócia do escritório Pagliarini Advogados.
[2] citação atribuída a Thomas Henry Huxley[2], biólogo e filósofo do século XIX
[3] “motivo”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/motivo.
[4] Parágrafo único do art. 20
[5] Inciso IX do Art. 93 da CF: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
[6] Art. 50 da Lei 9.784/1999
[7] § 6° do art. 159 da LSA
[8] Parágrafo único do art. 22